Eu gosto de roupa que dança

A galeria do celular com umas 40 fotos milimetricamente diferentes, todas do mesmo look, tiradas no mesmo lugar. Os olhos fixos no vestido de babados (uma saia longa demais para a minha altura), em busca da única imagem na qual ele paralisa em meio à ventania. Encontro. Mas volto para as que ele balança em todas as direções, completamente alheio a minha vontade de congelar o momento. “Eu gosto de roupa que dança” meu cérebro pensa. Me emociono e não consigo pensar em outra coisa. 

Eu gosto de roupa que dança na rua, sem pedir licença, mesmo que todo mundo passe com pressa. Roupa que bate nas pernas, convidando o corpo a seguir seus passos e não se magoa quando a resposta é nula. Roupa que esvoaça, me contorna e amplia, se esticando até quase tocar nos outros. Que balança frenética e depois para, subitamente, pra respirar um pouquinho. Que engancha no trinco da porta e me obriga a parar. Que cria outras estampas, outros shapes, descobre aquela manchinha na camisa que eu queria esconder. Roupa de um cetim deslizante, com um plissado ou babado que flutua. Roupa livre. Que me inspira a ser livre também.

Há um tempo eu escrevi um post sobre como as roupas amplas me fazem sentir esvoaçante, poderosa, sexy. Ainda que os códigos digam que pra ser sexy tem que marcar a cintura, exaltar as curvas desse corpo feminino idealizado e inalcançável. Foi muito tempo e muita desconstrução até entender que essa sensualidade, que vem de dentro, pra mim é um tecido gostoso encostando no corpo, corpo este livre para fazer o que quiser sem se sentir engolido pelas roupas. Porque roupa é para nos celebrar, nos envolver, alegrar o dia ou ser aquela armadura preciosa para quando necessitamos. Isso não quer dizer que tá errado se jogar num vestido tubo, mas sim que não existe uma única forma de ser nada. Se eu te der um pacote de macarrão e um tomate, nossas receitas vão ter gostos diferentes. Se a gente ler o mesmo livro, pontos diferentes vão chamar nossa atenção. Porque na moda, um campo tão cheio de possibilidades e tão pessoal, a gente precisaria fazer igual? Parece bobo ou banal, mas tem tanto internalizado na gente, que é importante relembrar.

Bora tomar um cházinho? 🫖

Ainda criança, eu costumava criar capas com lençóis pra ser uma super modelo e desfilar pela sala enquanto todos dormiam. Eu lembro da sensação até hoje, como se o mundo inteiro fosse meu, mesmo que, na realidade, seguisse na mesma sala, na mesma cidade da qual queria sair. Era imponente, dramático, quase sublime. O tempo passou, foram muitos estilos, roupa tão justa que me dá calafrio só de lembrar, mas cumpriu seu papel naquele tempo; flertes com o rocker, depois uma paixão arrebatadora pelo boho e seus vestidos longos com fendas, suas saias estampadas soltinhas, seus quimonos. Ah, os quimonos. Com seu tecido levinho que toca o corpo com toda a delicadeza, num abraço que também é sopro. Brisa. 

Hoje eu não sou mais nada além de mim. Nem boho, nem justa, nem colorida, nem neutra. Um pouco de tudo isso, talvez, misturado com muito mais. Ainda assim, posso te dizer que o dia fica 100% melhor quando aceito o convite de bailar, feito por aquelas pecinhas que repousam nos cabides, mas parecem ter vida própria ao sair de lá. Tem alguma coisa naquela camisa larga ou vestido soltinho, na saia repleta de babados ou nas mangas dobradas imensas de um casaco muito maior que eu. Eu volto pra passarela, com um lençol amarrado envolto nos ombros ou amarrado como um vestido de gala, pronta pra dominar o mundo. Ou dançar uma coreografia repleta dos gestos do cotidiano, que ganham prosa quando acompanhados pela dança dos tecidos. 

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