A influência do cinema nas criações de Jean Paul Gaultier vem de longa data e são inúmeras as entrevistas nas quais o designer falar sobre seu fascínio pelos filmes. Pois essa relação se estreita ainda mais com a exposição Cinema e Moda (Cinémode), que conta com a curadoria de Gaultier em parceria com Tonie Marshall – diretora, roteirista e atriz que morreu em 2020 e para quem a exposição é dedicada – e a Cinemateca Francesa.
A exposição, que estreou em Paris no ano passado e agora está em Madrid – mais especificamente na CaixaForum, até 5 de junho de 2022 – celebra as grandes musas, os figurinos icônicos, a parceria entre designers e atrizes/cineastas, reverenciando a fonte inesgotável de inspiração que um bom filme pode ser e a capacidade do cinema e da moda em serem transgressores.
Só nesse resumo já te deu vontade de visitar? Pois se você tem planos de viajar para a capital espanhola ou para Barcelona – que é pra onde a exposição vai depois – eu indico fortemente! Caso não tenha, esse post nasceu pra te levar pela mãozinha para passear pela exposição. Bora lá?
Um dos primeiros pontos a destacar é que durante a o trajeto, você vai encontrar uma série de figurinos icônicos e aí é impossível não se emocionar e pensar que num passado distante tal atriz estava dentro dessa mix de modelagens e tecidos. Alguns exemplos são o vestido preto usado por Audrey Hepburn em Bonequinha de Luxo e o conjuntinho branco usado por Sharon Stone em Instinto Selvagem. Não vou nem tentar negar que estava pulando de felicade de sala em sala.
Mas peças famosas da moda, seja as criadas pelo próprio Jean Paul Gaultier ou por nomes como Paco Rabanne e André Courrèges também marcam presença, representando períodos da história da moda que também foram marcantes no cinema. O famosíssimo body com cones nos peitos desenhado por Gaultier para Madonna usar na Ambition World Tour em 1990 já pode ser conferido na primeira sala da exposição.
Tudo começa com uma sala dedicada a homenagear Falbalas (em português, Nas rendas da sedução, de 1945). Segundo Gaultier, o melodrama ambientado em uma casa de alta costura foi sua primeira escola de moda. Cenas do filme passam em um grande telão, enquanto criações de Jean Paul Gaultier, como o body de Madonna que mencionei antes e o vestido smoking (1999), estão expostas ao lado, envoltas em uma delicada proteção de tule, com pequenas brechas laterais para que as curiosas possam espiar o que antes seria privado – atitude que faz parte do dna de Gaultier, se a gente for parar pra pensar.
Ainda que os figurinos de Falbalas não estejam presentes, o trabalho do designer Marchel Rochas é celebrado em texto e com a presença de dois de seus designs nas miniaturas criadas para o Theatre de la Mode – exposição itinerante que apresentava criações de grandes designers franceses em bonecas numa escala de cerca de 1/3 do corpo humano, com o objetivo de animar a indústria da moda de luxo pós Segunda Guerra Mundial. Eu já tinha estudado sobre algumas vezes e foi muito especial e emocionante ver de pertinho.
A segunda sala falava sobre os arquétipos femininos e masculinos do cinema e como eles são, por vezes, o reflexo ou a antecipação dos papéis desempenhados pelas pessoas na sociedade. Alguns exemplos são as femme fatales Marilyn Monroe, Brigitte Bardot e Catherine Deneuve e os símbolos máximos de virilidade Marlon Brando e James Bond.
A medida que o tempo passa esses arquétipos vão se transformando e se mesclando. A jaqueta perfecto, eternizada por Marlon Brando como um símbolo de virilidade nos anos 1950, por exemplo, passa a fazer parte do armário de Brigitte Bardot no final dos 60 e do guarda-roupa de basicamente todos nós ainda hoje, assumindo novos significados.
E como não poderia ficar de fora, alguns figurinos desenhados por Gaultier para o cinema estão presentes pela mostra. Um exemplo são os croquis e peças de O quinto elemento, que trazem uma sensualidade e um aroma underground que é praticamente a assinatura do designer.
A terceira sala era dedicada às trangressões, tão essenciais e inerentes ao cinema e à moda. Há uma menção especial a filmes como Rocky Horror Picture Show e Pink Flamingos, obras underground que adquirem muita visibilidade e se tornam clássicos cult – e aqui vale mencionar que é foi meio decepcionante não ter nenhum figurino desses filmes presente.
A trajetória de estrelas como Marlene Dietrich e Katharine Hepburn, que assumiram um visual mais andrógino, composto por peças até então restritas ao armário masculino que questionavam a sociedade conservadora da época também são lembradas. Destaque para o acervo de peças e acessórios de Marlene, que pode ser conferido de pertinho.
A parceria de Almodóvar e Jean Paul Gaultier também ganha espaço de destaque na exposição, com os figurinos de Kika (1993) e Má educação (2003), reforçando o quanto o diretor e o designer têm um interesse constante em comum pelas culturas pop e alternativa em suas carreiras e por uma fluidez que rompe com as barreiras do que está posto como feminino e masculino.
Reforçando o conceito de que os filmes sempre inspiraram seu universo de criações, Jean Paul Gaultier fala de sua referência para criar as icônicas camisetas listradas que parecem apimentados uniformes de marinheiros e se tornam um dos símbolos do ‘homem objeto’. “Em 1982 estreou Querelle, que foi um choque, um sinal de que eu queria fazer algo com a moda, sobretudo com a camiseta listrada”.
A importância do metal para construir a vestimenta de guerreiras e guerreiros nas telas e passarelas é o tema da quarta sala da exposição, chamada de Pop e metal.
Sejam personalidades como Joana D’arcguerreiras, futuristas como Jane Fonda em Barbarella, ou as icônicas criações de Paco Rabanne feitas de pequenas placas de metal, essa sala vai falar muito sobre a moda futurista dos anos 60, fortemente influenciada pela temática espacial.
O filme francês Quem é Polly Magoo? (1966) ganha uma sala de destaque, com a cena do desfile aparecendo no telão, posicionado ao lado de dois figurinos de metal usados no filme. O poster oficial e muitas imagens das cenas decoram as paredes.
Uma sátira ao mundo da alta costura e aos meios de comunicação, o filme entrega figurinos delirantes, “tão geniais quanto descabidos”, como define o próprio Gaultier. Na cena, uma das modelos se corta na peça, mas é incentivada a maquiar o braço e seguir desfilando. No mesmo ano, Paco Rabanne lançava Manifesto: 12 vestidos não usáveis em materiais contemporâneos, uma coleção com vestidos compostos por pequenas placas de metal. Mais uma vez, cinema e moda andando de mãos dadas.
Chegando na etapa final, é hora de falar dos desfiles. Em um telão central passam uma série de trechos de desfiles em filmes, mostrando o quanto esse é um ponto alto das obras que falam de moda. “É frequente, inclusive, que a narração fique suspensa para mostrar um desfile em todo o seu esplendor”, diz o texto de apoio.
No centro está uma passarela com uma série de figurinos do filme Saint Laurent (2013) e vou te confessar que eu entrei correndo na sala achando que o casaco verde seria o original da conhecida Scandal collection de 1971. Meu coração deu até uma paradinha. Não era kkk, mas vida que segue né meninas.
Encerrando com toda a dramaticidade que uma peça com cauda de 25 metros pode causar na passarela – você pode tirar suas próprias conclusões assistindo esse vídeo, criando um desses momentos memoráveis, temos esse vestido de noiva de Jean Paul Gaultier, que, depois, ganhou seu momento de destaque no cinema ao aparecer em Absolutamente famosas (2001), filme inspirado na série britânica de mesmo nome. E caso você, assim como eu, não seja capaz de dimensionar o que 25 metros significa, a cauda do vestido está presa no teto e acompanha a gente até literalmente a saída da exposição, é insano!
Bom, essa foi a primeira exposição inteiramente dedicada à moda que fui na vida. Então, pode ser uma opinião parcial – no fim todas são -, mas eu gostei MUITO! É muito incrível ver algumas peças que fazem parte do nosso imaginário de perto, assim como as próprias peças icônicas de Jean Paul Gaultier. A ambientação é legal e mesmo quem não é tão interessado em moda pode se divertir – eu fui com meu namorado e ele amou. Senti falta de alguns figurinos que estavam presentes em posteres e são bastante especiais pro cinema? Sim, mas também essa é a exposição a partir da ótica do Gaultier, né? Então talvez essas não sejam referências tão fortes pra ele.
Se eu tivesse tempo$$, iria outra vez só pra ver tudo de novo, talvez prestar atenção em outros pontos. Saí de lá com uma lista de filmes enormes pra assistir que nunca vi. E como sou uma gracinha dedicada e a fim de compartilhar conhecimento, fotografei cada um dos créditos que estavam na exposição pra montar a listinha de filmes do JP. E, para o seu conforto, ainda pesquisei o nome de cada filme em português – olha, praticamente uma anja e quem discorda eu não quero nem saber. Espero que cê tenha gostado do post, se quiser mandar pra alguém que gostaria de fazer esse tour, eu fico grata demais!
Marrocos (1930) – título original: Morocco
Uma loira para três (1933) – título original: She done him wrong
Rainha Christina (1933) – título original: Queen Christina
Uma dama do outro mundo (1934) – título original: Belle of the Nineties
Vivendo em dúvida (1935) – título original: Sylvia Scarlett
Nas rendas da sedução (1945) – título original: Falbalas
Gilda (1946)
Joana D’Arc (1948) – título original: Joan of Arc
Uma rua chamada pecado (1950) – título original: A streetcar named desire
Violetas imperais (1952) – título original: Violetas Imperiais
A bela de Cadiz (1953) – título original: La belle de Cadix
O selvagem (1953) – título original: The wild one
Como Agarrar um Milionário (1953) – título original: How to marry a millionaire
Johnny Guitar (1954)
Janela indiscreta (1954) – título original: Rear window
Alta Costura (1954)
Eles se Casam com as Morenas (1955) – título original: Gentlemen Marry Brunettes
Lola Montes (1955) – título original: Lola Montès
Os homens preferem as loiras (1955) – título original: Gentlemen prefer blondes
O cantor do México (1956) – título original: Le chanteur de Mexico
E Deus criou a mulher (1956) – título original: Et Dieu… créa la femme
Rastros de ódio (1956) – título original: The Searchers
Cinderela em Paris (1957) – título original: Funny face
Meu tio (1958) – título original: Mon oncle
Onde Começa o Inferno (1959) – título original: Rio bravo
Quanto mais quente melhor (1959) – título original: Some like it hot
Bonequinha de luxo (1960) – título original: Breakfast at Tiffany’s
O Ano Passado em Marienbad (1961) – título original: L’année dernière à Marienbad
Eva (1962)
Seis mulheres para o assassino (1964) – título original: 6 donne per l’assassino
A dama de Beirute (1965) – título original: La dama de Beirut
A bela da tarde (1966) – título original: Belle de jour
Quem é Polly Maggoo? (1966) – título original: Qui êtes-vous, Polly Maggoo?
Blow-Up: depois daquele beijo (1966) – título original: Blow-up
Modesty blaise (1966)
Beijos proibidos (1968) – título original: Baisers volés
Manon 70 (1968)
Flesh (1968)
2001: Uma Odisséia no Espaço (1968) – título original: 2001: A Space Odyssey
A sereia do Mississipi (1969) – título original: La sirène du Mississipi
Satyricon (1969)
Laranja mecânica (1970) – título original: A clockwork orange
As petroleiras (1971) – título original: Les pétroleuses
Pink flamingos (1972)
Paixão selvagem (1975) – Je t’aime moi non plus
Tommy (1975)
The rocky horror picture show (1976)
O quinto elemento (1977) – título original: The fifth element
Sextette: a grande estrela (1978) – título original: Sextette
Gigolô americano (1980) – título original: American gigolo
Parceiros da Noite (1980) – Cruising
Querelle (1982)
A lua na sarjeta (1983) – título original: La lune dans le caniveau
007: na mira dos assassinos (1985) – título original: A View to a kill
Procura-se Susan desesperadamente (1985) – título original: Desperately seeking Susan
Betty Blue (1986)
Meu marido de batom (1986) – título original: Tenue de soirée
Mestres do Universo (1987) – título original: Masters of the Universe
A máscara do Zorro (1988) – título original: The Mask of Zorro
Mulheres à beira de um ataque de nervos (1988) – título original: Mujeres al borde de un ataque de nervios
Thelma & Louise (1991)
Na cama com Madonna (1991) – título original: Madonna: Truth or Dare
De salto alto (1991) – título original: Tacones lejanos
Jamón, Jamón (1992)
Orlando, a Mulher Imortal (1992) – título original: Orlando
Instinto selvagem (1992) – título original: Basic instinct
Kika (1993)
A garota dos seus sonhos (1998) – título original: La niña de tus ojos
8 mulheres (2001) – título original: 8 femmes
Má educação (2004) – título original: La mala educación
Manolete: sangue e paixão (2008) – título original: Manolete
Coco antes de Chanel (2009) – título original: Coco avant Chanel
A pele que habito (2011) – título original: la piel que habito
Lawrence anyways (2012)
Minha vida com Liberace (2013) – título original: Behind the candelabra
Saint Laurent (2014), de Bertrand Bonello
Yves Saint Laurent (2014), de Jalil Lespert
Trama fantasma (2017) – título original: Phantom Thread
Rocket man (2019)
Miss França (2020) – título original: Miss