Stay

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Era mais uma sexta-feira. Capitu estava entediada. Enquanto retocava a maquiagem, pensava em porque insistia em ir para os mesmos lugares, com as mesmas pessoas se já sabia como iria terminar. Entediada. Isso não era exclusivo das sextas, ultimamente todos os dias pareciam ser um amontoado de rostos e histórias repetidas, ela se sentia cansada de não mudar nada, mas, quando tentava, parecia que não tinha nada para mudar. Até pensou em tirar seu short preferido e colocar um pijama, mas se ficasse em casa, se sentiria inquieta ao pensar que poderia estar acontecendo alguma coisa muito legal lá fora. Provavelmente não iria acontecer, mas pelo menos teria tentado. E se nada mudasse (de novo) pelo menos poderia ver a lua e as estrelas de cima da montanha e desfrutar do vinho barato de seus amigos, enquanto as piadas se tornavam mais engraçadas e a noite nem tão chata assim.

Lá estava ela, na montanha, com sua garrafa. Os amigos cantavam músicas aleatórias e tristes e enquanto pensava mais uma vez sobre todas as coisas que  poderia querer, sentiu uma vontade incontrolável de dançar. Se a vida ia ser essa droga mesmo, que pelo menos estivesse dançando.  Levantou suas mãos e se deixou levar pelo vento, sem se importar com mais nada. Quando percebeu, seus amigos não estavam mais por perto, ao invés de suas vozes desafinadas, ouvia uma melodia, mais triste que qualquer outra que já tivesse ouvido e, ao chegar mais perto, viu um garoto a centímetros de cair. Ele se virou em sua direção e tinha o olhar em chamas. O vento pareceu mais forte, ou ela que estava mais fraca, balbuciou um ‘foi mal’. Ele disse ‘tudo bem’ e voltou a tocar. Mesmo que ela se sentisse meio intrusa, ficou ali observando de longe. Aquele garoto na beira da montanha com seu violão, parecia um dos desenhos que ela costumava fazer em suas aulas de matemática.

Bora tomar um cházinho? 🫖

Ele sabia que ela ainda estava ali e ao mesmo tempo em que queria chamá-la, decidiu continuar tocando. Era um dia de merda e talvez não devesse estragar a vida de mais ninguém além da sua. Ele não queria ser médico como seus pais, acabava de desistir da porra da faculdade e, com meia dúzia de roupas e seu violão, estava decidido a vagar pelo mundo até encontrar alguma coisa que valesse a pena. Já fazia um mês. Tinha encontrado algumas pessoas vazias, algumas cidades vazias, algumas garrafas e, essa noite, uma montanha. Era um dos lugares mais bonitos que tinha encontrado, pensou que queria viver em uma montanha. Queria saber o nome dela e o porquê de uma garota tão bonita estar sozinha em uma sexta-feira. Ela parecia perdida. Ele parecia perdido. A curiosidade devia ser apenas comoção pela causa compartilhada. Parou de tocar.

“Você vai ficar por aí muito tempo? Pode deixar gorjeta.” “Isso considerando que você merecesse.” Ele riu, fechou o rosto novamente e olhou para ela. Ela estremeceu, mas fingiu que estava tudo bem e ofereceu sua garrafa. “Me mostre algo que valha a pena e ela é sua.” “Algo que realmente valha à pena, não é isso que todos procuram?” “Não sei, o que você procura?”  “O que eu deveria procurar?” Ela revirou os olhos, como poderia saber o que ele devia procurar? “Isso só você pode saber.” E era a primeira vez que ouvia essa resposta, todos sempre pareciam saber o que ele devia querer, era óbvio, um bom emprego, dinheiro, uma garota, filhos, tédio e uma falsa felicidade que ele se achava incapaz de interpretar.

Fez sinal para que ela se aproximasse, ela não se moveu. “A pintura fica mais bonita com você solitário.” “Foda-se a pintura! Quadros repetidos não vendem muito.”  Ela sabia bem disso, então sentou ao lado dele, os pés balançando naquele abismo e riu, riu muito. Dali o mundo parecia tão pequeno… Eles conversaram por horas, ele estava soltando todos os medos que carregava, mas que nunca tinham saído de seus pensamentos. A expectativa da família, a confusão, o medo de que acabasse sozinho no mundo… Ela ria de quão patético era seu tédio pela vida. Como podia estar com tantas pessoas legais e mesmo assim se sentir uma intrusa em qualquer lugar? “Bom, menos aqui, montanha.” Ele tomou mais um gole e sorriu, também não se sentia intruso ali. “O problema é que a gente não pode morar na montanha!” Os dois falaram juntos, se encararam e gargalharam. Ele tocou mais músicas, ela pegou o violão e tocou notas aleatórias, que seriam horríveis se ela não ficasse tão bonita segurando aquele violão, com os cabelos bagunçados ao vento.

Ele se chamava Julián, o nome do personagem principal do livro preferido dela. Ele já tinha lido, mas fingiu que não, só para que os olhos dela continuassem brilhando enquanto contava a história, sem esquecer nenhum detalhe. Ela se chamava Capitu. “Seria a bela Capitu, com seus olhos de cigana oblíqua e dissimulada, uma adúltera? Capitu deixou-se fitar e examinar. Só me perguntava o que era, se nunca os vira, eu nada achei extraordinário; a cor e a doçura eram minhas conhecidas.”. E era a primeira vez que alguém associava seu nome com a personagem de Machado de Assis e não com a puta de uma novela que arrumava um marido e era feliz no final. Falaram sobre muitas outras coisas, brincaram de quem jogava a garrafa mais longe, dançaram tango (embora nenhum dos dois soubesse). Ele a tirou do chão, física e sentimentalmente. Quando a colocou em ‘terra firme’ o vento tinha mudado, segurou sua cintura e a beijou.

Ela sentia que, quanto mais ele a beijava, menos ela se sentia satisfeita, queria que ele a envolvesse para sempre e se sentia a garota mais idiota por pensar assim. Enquanto segurava o rosto dela colado no seu, sem falar nada, sentia que todo aquele mês vagando tinha valido a pena, podia ser a única vez que veria Capitu na vida, mas era um daqueles encontros de universo, de alma, de filme, de tudo que ele não acreditava. O sol estava chegando, ela estava dentro do casaco dele, com ele. Conversavam sobre conhecer o mundo. Ele, mexendo nos cabelos dela, depois de tanto tempo sem saber o que queria, tinha encontrado alguma coisa que valesse a pena. Ela? Só queria que ele ficasse.

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