Fique em casa. Três palavrinhas que estão presentes em todos os lugares, seja na tv ou no feed do Instagram, e viraram a vida de todo mundo do avesso, trazendo consigo novas formas de trabalho, de vida, de dor e, também, de amor. O isolamento social me segurou pela perna quando faltava o último passo para me mudar para outro país com meu namorado, que conseguiu um trabalho por lá ainda em 2019. Depois de muitos atrasos, o visto chegou e, rapidamente, nos organizamos para embarcar no final de março. Como planejado, na semana em que a quarentena começou, nosso apartamento já tinha sido entregue à imobiliária, os móveis e decorações estavam vendidos e entregues aos novos proprietários, as nossas roupas e livros distribuídos em seis malas. Ficar em casa, quando não se tem mais uma, é um tanto irônico e um muito assustador. No mundo ideal, o plano era ficar no apartamento de uma amiga pelos poucos dias que antecederiam nossa viagem. Nesse novo arranjo do destino, viramos colegas de isolamento social.
Eu só tenho a agradecer pelo acolhimento, por alguém que amamos tanto emprestar seu espaço e abrir mão de parte da sua privacidade para nos receber. A nossa quarentena tem sido marcada pelas mesas fartas, com comida de verdade e brunch todo final de semana, por chás compartilhados e uma tacinha de vinho todas as noites, enquanto vemos mais um episódio de Killing Eve. Pelos carinhos esporádicos do gatinho dela, que já aceitou os novos roomies. Por muita cumplicidade e pela sinceridade de dizer quando algo não está bem. Nós não poderíamos ter escolhido, ainda que ao acaso, melhor.
Ainda assim, tem dias que dói não ver a família há tanto tempo. Não encontrar os amigos antes de embarcar. Não comemorar o aniversário, nem me despedir dos meus lugares favoritos por aqui. Não ter mais o nosso apartamento, com o sol entrando pelas janelas gigantes, os azulejos antigos, o banheiro pequeno e a sala aconchegante repleta dos meus livros. Não saber quando tudo vai passar e como tantas outras pessoas (que estão em situações mil vezes mais difíceis do que a nossa) vão segurar as pontas. São muitos não e muitos quando. É sufocante. Eis que, dia desses, depois de uma sessão de terapia daquelas que fazem a gente desidratar chorando, descobri uma coisa: a minha antiga casa física pode até não existir mais e meus encontros e planos estarem pausados. Mas eu tenho outro cantinho aconchegante, bem aqui dentro do peito. O meu amor.
Nessa casa faltam paredes, mas o sol entra todos os dias quando o carinha que eu chamo de amor me faz café da manhã e, juntos, tentamos planejar o dia; quando ele me abraça apertado, enviando a angústia pra longe, ou dança comigo pela sala. Aqui a biblioteca, sempre tão fundamental, está repleta de lembranças, que vão aquecer por enquanto: os domingos com meus avós e minha mãe, as festas e viagens com meus amigos, os shows que fizeram a alma pulsar. É aqui que eu sento, com os pés pra cima, depois de um dia exaustivo. É daqui que eu tiro força para seguir a rotina, para escrever e respirar fundo. É aqui que eu guardo todas as novas memórias que construímos, seja a sexta-feira de maquiagem ou a massa de pizza que eu e Fefe tentamos semanalmente e nunca dá 100% certo. Um cantinho todo meu. Todo amor. Que sempre esteve aqui. Eu que demorei pra descobrir.