Quer começar o próximo ano com leituras potentes? Aqui vai uma listinha das boas, pra suspirar tamanha beleza ou transbordar em lágrimas. Desde que acabei a faculdade, venho querendo retomar o hábito da leitura, há tempos surrupiado pelas burocracias da vida adulta. Eis que em 2020, estabeleci a meta de ler 12 livros – um por mês. Mal sabia eu que esse ano seria difícil, praticamente impossível em muitos momentos. E foram justamente os livros que me pegaram pela mão e levaram pra longe de tudo que estava passando aqui dentro. Nem sempre viajei com eles para lugares melhores ou mais divertidos, mas valeu demais a pena. E passei a meta com surpreendentes 19 leituras!!!
Embarcar em aventuras vividas em lugares que nem sempre existem por personagens que passam a ocupar um cantinho no nosso coração – seja por amor ou ódio – é a minha parte preferida de ler. E com os livros dessa lista pode ter certeza que cê vai se apaixonar um monte. Bora conferir?
Já vou começar com o meu preferido. O dia em que Selma sonhou com um ocapi é uma das coisas mais lindas que li na vida inteira. Mariana Leky cria um universo de fantasia tão especial, que em alguns momentos parece que a gente está sonhando. É um livro de preencher o coração com cenas bonitas, algumas tristes outras felizes. Fiquei completamente arrebatada pela forma com que ela cria imagens e anima objetos do cotidiano de uma forma real e delicada, transformando o banal em extraordinário. Pega essa citação como exemplo:
O livro se passa em Westerwald, uma cidadezinha no interior da Alemanha, e é narrado pela neta de Selma, Luise, uma criança com olhar mágico e curioso sobre o pequeno universo que a cerca. A história começa com Selma sonhando com um ocapi, o que significa que alguém da cidade irá morrer nas próximas 24 horas. “Selma tinha sonhado por três vezes com um ocapi durante sua vida, e em todas as vezes em que isso aconteceu alguém morreu, por isso estávamos convencidos da inegável associação entre sonhar com um ocapi e a morte. É assim que funciona nossa razão. Ela consegue, em pouquíssimo tempo, fazer com que coisas das mais disparatadas criem um vínculo muito forte” (p. 1). É a partir deste acontecimento que somos apresentadas a personagens únicos e envolventes, que vão experienciar e refletir sobre amor, perda, parceria e o tão misterioso ciclo da vida, acompanhando três etapas da história de Luise.
Se fosse pra resumir, O dia em que Selma sonhou com um ocapi é aquele livro pra suspirar e gastar caneta marcando trechos infinitos. Pra deixar a imaginação fluir e perceber a mágica que nos cerca todos os dias. Já fiquei até com vontade de ler de novo.
Esse foi um sucesso em 2020, assim, talvez você já tenha ouvido falar. Se deus me chamar não vou é uma história linda, cativante, repleta de tapas na cara e de conexão com a nossa criança interior. Se eu posso dar um conselho, embora o livro seja curtinho, prefira ler aos poucos, com um caderninho do lado pra refletir sobre a sua própria vida e como as questões te atravessam. Eu fiz um clube do livro com meu namorado e rendeu muuuuuito assunto, além de uma conexão muito especial entre a gente.
Do que se trata a história? Do alto de seus 11 anos, Maria Carmem resolve escrever um livro para contar como está sendo ano. E aqui já deixo meu parabéns para a autora, que consegue escrever como criança absurdamente bem. De capítulo em capítulo, a gente ri com seu olhar inocente sobre o mundo, chora porque ela é tão pequena para se sentir tão sozinha e lidar com tanto bullying, quer abraçá-la e ligar pros pais dela contando o que está acontecendo. Quer antecipar uns capítulos – nesse caso, da vida – e dizer que vai ficar tudo bem. Mas não pode. E à sua maneira, bem como acontece, ela vai crescendo e aprendendo, enquanto dá vida a trechos que deixam a gente sem fôlego, tipo esse aqui de baixo.
Eu não estava preparada para tudo que esse livro ia tocar. E mesmo me esforçando pra escrever o melhor possível, sinto que não consigo explicar o quanto essa leitura é essencial, bonita, crua. Indico pra todo mundo que conheço, mesmo que a pessoa não tenha pedido indicação kkk
Uma obra pra segurar o fôlego e soltar as lágrimas. Em seu livro de estreia, Mary Lynn Brancht faz um trabalho primoroso de resgate, lançando um holofote sobre uma série de assuntos que eu não fazia ideia, como, por exemplo, que entre 50 mil e 200 mil mulheres foram sequestradas, enganadas ou vendidas como mulheres de consolo para o uso dos militares durante a colonização da Coreia pelo Japão. Em outras palavras, foram escravizadas sexualmente, agredidas e tratadas como corpos descartáveis. Já arrepiou aí? Aqui já.
Herdeiras do Mar também apresenta as haenyeo, pescadoras-mergulhadoras da ilha sul-coreana de Jeju. Fortes e independentes, elas gerenciam suas famílias e provém o sustento do povoado mesmo nos tempos mais adversos. Só pelo resumo já é possível perceber que você vai se jogar numa outra cultura e aprender muito, mas não é esse o maior trunfo de “Herdeiras do Mar”.
Tudo começa com as irmãs haenyeo Eni e Hana, que estão na praia com a mãe enquanto ela mergulha. Ao perceber que sua irmã mais nova seria sequestrada por um oficial japonês, Hana vai em seu lugar. A partir daí, acompanhamos Hana vivendo a experiência assustadora de ser uma mulher de consolo e Eni em sua velhice, sempre em busca de reencontrar a irmã. É uma história de resiliência, de força feminina, seja para fugir ou encarar os fantasmas do passado. Uma prova de como a guerra é terrível com as mulheres e como as atrocidades cometidas são enterradas sem cerimônia. Um amontoado de dor, muita dor, seja a de quem vai ou de quem fica. Uma leitura que machuca, mas merece ser lida por tudo mundo, afinal, citando a própria obra, “Se ainda estão falando sobre nós, não vamos desaparecer”.
De uma leitura pesada pra outra bem levinha, daquelas de fazer um chá, se enrolar nas cobertas ou espreguiçar em uma canga no sol e devorar. Contando a história de uma banda de rock que foi famosíssima nos anos 1960 que acaba no auge do sucesso, logo depois do seu primeiro álbum, graças a inimizades e polêmicas entre eles, Daisy Jones & the six é todo escrito em formato de entrevista, como se a gente estivesse assistindo a um documentário de alguma banda famosa na tv. E como boa banda de rock, pode esperar por drogas, sexo e rock’n’roll.
Eu já conhecia o trabalho da autora graças ao “Os sete maridos de Evelyn Hugo”, mas fiquei surpresa com essa leitura. Isso porque ela vai criando os personagens e levando a gente pelos acontecimentos de forma tão fluída – o que é um trunfo considerando quantas pessoas estão dando entrevista ao mesmo tempo -, que a gente acaba querendo muito que a banda exista na vida real.
Outro ponto que me ganhou foi que a autora compôs todas as letras do disco que fez a banda ser consagrada. Ou seja, dá pra soltar a imaginação em busca de melodias. Para deixar tudo ainda melhor, Reese Whiterspoon é produtora da adaptação do livro para série, que sairá pela Amazon Prime, mas ainda não tem data marcada. Na espera desde já pra ver a cena da piscina sendo real e, principalmente, pra ouvir as músicas com arranjos. Enquanto isso, sempre vale ouvir o Rumors, do Fleetwood Mac, banda que teve altas tretas entre os membros e parece ter servido de inspiração para o livro.
Uma das gratas surpresas deste ano, a autobiografia do comediante Travor Noah, que até então eu não conhecia, é envolvente, delicada e única. Ao contar a história da sua vida, filho de mãe negra e pai branco em pleno apartheid da África do Sul, quando isso era considerado um crime, ele vai trazendo uma série de temas sérios, como racismo, pobreza, violência doméstica, identidade e apagamento das raízes.
Embora seja difícil explicar, ainda que o livro tenha todos esses assuntos seríssimos e pertinentes, o Trevor consegue trazer momentos engraçados e leves pra narrativa. E antes que cê pense que ele vai fazer piada babaca com tema que não tem margem pra isso, muito pelo contrário. Só que a sua voz traz uma ironia, um humor na essência, que está diretamente atrelado a quem ele é e a sua mãe – uma referência fortíssima. Então é totalmente possível dar aquela choradinha numa página e estar rindo na seguinte.
Já que falei da mãe, Patricia Noah, vale destacar que a relação dos dois é uma das coisas mais lindas de Nascido do Crime. Uma guerreira, Patricia encontra mil formas de burlar o sistema e de fazer Trevor acreditar que ele pode ser tudo o que quiser, ainda que o sistema tentasse dizer o contrário. É lindo de ler e de perceber que o amor por essa mãe religiosa e sarcástica está presente em cada página do livro. Mesmo quando tudo se torna difícil. Depois de ler, fica a dica de correr pra ver os dois especiais dele para a Netflix.
Para registrar outras leituras maravilhosas feitas esse ano, fica aqui a sugestão desses quatro livros: A Batalha de Versalhes, que já foi tema de um post só pra ele, tamanho o amor; Escola de contos eróticos para viúvas, que eu já indiquei nessa lista de livros sobre mulheres fortes; Só garotos, um clássico que é puro amor; O peso do pássaro morto, que apareceu bastante nas redes em 2020 e é um soco no estômago, uma beleza crua.
E aí, já leu algum da lista ou gostaria de ler ano que vem? Me conta nos comentários. E se tiver aquela dica maravilhosa pra compartilhar, vem sem cerimônia <3